domingo, 19 de fevereiro de 2012

Viagem para a alma - Por Rose Fávero

Foi quando fiz uma viagem a alma de minha avó, que tive vontade de reproduzir o farol e as cadeiras que fizeram parte de sua infância.
As fotos completas estão abaixo, no texto.

Senti uma saudade de minha avó... Já não a via há mais de 20 anos... Foi quando tive a idéia de visitá-la. Me  espremi  pela passagem secreta do ateliê de miniaturas e fui.
Andei por encostas, vales, mares. Passei pelas praias de Positano, cheia de pedrinhas no lugar de areia, mar azul transparente. Cheguei até o lugar onde morou na infância antes de vir para o Brasil, Radda in Chianti. Morava no campo, então fui descendo a colina dourada pelo trigo e de longe pude ver a casa de pedra e os vinhedos da família Ricasoli, que a circundavam. A medida que fui chegando pude ver a casa ‘crescendo’, mostrando o detalhe das pedras cor de areia nas mais claras e um ocre levemente acentuado nas escuras, algumas até quase chegando a um siena queimado. As telhas em barro emolduravam as paredes que tinham janelas e portas em madeira pintadas de turquesa. Era uma casa simples, mas linda.
Tinha dois pisos, embaixo era usado pra guardar mantimentos e sementes que se usaria na próxima plantação. Logo chegaria o inverno e tudo aquilo se cobriria de branco. No piso superior, três quartos tinham as janelas voltadas para o vale ao fundo. Uma sala grande e uma cozinha menor com fogão de ferro que servia para aquecer a casa no inverno. Os banhos eram tomados (raramente) em bacias de ágata guardadas  sob a cama. Havia ainda uma escada, também de pedra,  que levava ao piso superior. Em cada degrau um vaso com  gerânios floridos.  No último pude ver  minha bisavó com um grande avental branco trazendo nas mãos uma jarra de água com rodelas de limão siciliano. Ao lado da casa pude ver o caramanchão de Glicínias lilases contrastando com o resto. Sob as flores, numa cadeira de madeira empalha com junco avistei minha avó. Lá estava ela, em seu vestido florido, tal qual eu me lembrava. Quando me viu, levantou-se e colocou a mão em forma de aba sobre a testa, como a tapar o sol e poder enxergar melhor. Percebendo que era eu, abriu um sorriso enorme, tão grande quanto ela mesma, uma italianona com seus cabelos brancos presos num coque baixo, logo acima do pescoço. Eu adorava pentear seus cabelos longos quando era criança e ainda estava comigo. Ainda usava o mesmo brinquinho dourado em forma de losango com uma pedrinha de rubi no meio.
Nos abraçamos. Senti o calor do seu corpo passando para mim um conforto inexplicável. Chorei.  Segurou meu rosto com suas mãos enormes e disse que queria olhar para mim.

Me abraçou novamente e então nos sentamos naquelas cadeiras que eu me lembrava da infância. Tomamos a água saborosa que minha bisavó havia trazido e conversamos por  horas sob a sombra do caramanchão. Fomos dar um passeio até o farol, como era grande, tinha uns 60 metros de altura, dava até uma certa tontura olhar para o topo, onde estava a luz. Ela me contou, que quando aos 15 anos embarcou  para o Brasil fugindo da fome, pode ver do navio, a luz do farol por muito tempo. Ficou olhando para ele até sumir completamente. Disse que foi dele que mais sentiu falta enquanto viveu. 

O sol já baixava no horizonte,  hora de ir. Abraçamo-nos novamente. Tomei o caminho de volta levando comigo a lembrança do farol, das cadeiras e dela, no coração.  Do alto da colina, olhei para trás e lá estava ela, com o braço erguido e a mão em aceno.  Lá no fundo da minha alma pensei, vou voltar outras vezes e pude ouvi-la da mesma forma:  Estarei te esperando.
Passei de volta pela fenda do assoalho e deixei para trás a Itália, a praia de conchinhas e a minha avó.
As cadeiras foram feitas com palitos de churrasco e o trançado em barbante.

O farol